Por Gilson Dias Rodrigues - Médico-Veterinário.
domingo, 13 de Maio de 2012
Se aproxima a data de mais uma manifestação pública contrária ao 
comércio de animais num dos ambientes mais populares de Belo Horizonte. O
 que muitos chamam de uma movimento de pessoas desocupadas, ou de 
ativistas de sem causa, eu chamo de uma questão de saúde pública, uma 
questão de ética animal, uma questão de tráfico de animais silvestres e 
até de uma questão de prejuízo ao consumidor.
Um 
exemplo simples: Filhotes são entregues para a venda. Digamos que sejam 
cinco filhotes de Dálmatas. Entram para o Mercado Central no dia 01/03 e
 são colocados na gaiola. Sempre estiveram presos ao ambiente natal, ao lado da mãe, mamando e, 
repentinamente, estão colocados em gaiolas onde pessoas passam 
constantemente. Naquelas mesmas gaiolas, estiveram outros animais 
anteriormente e a desinfecção da gaiola foi feita com cloro diretamente 
aplicado sobre as grades sem a remoção completa de todas as sujidades 
presentes. Da ninhada que ficava naquela gaiola, um dos filhotes 
apresentou uma doença conhecida como Parvovirose. A doença é causada por
 um vírus super-resistente no ambiente, capaz de permanecer no ambiente,
 sem o tratamento adequado, por até cinco anos. Em outra gaiola, do lado
 oposto do corredor, outro filhote, igualmente à venda, apresenta uma 
coriza muito discreta e eventuais espirros. A cada espirro deste 
filhote, partículas de outra virose, a cinomose, são espalhadas pelo ar e
 sobre seus colegas de gaiola e de Mercado Central. O período de 
incubação médio dessas doenças é de 12 a 18 dias, ou seja, os primeiros 
sintomas estarão perceptíveis a partir do dia 13/03.
O dono da loja vende cada filhote com uma 
"garantia" de dois a sete dias de acordo com a sua data de chegada. 
Suponhamos que D. Maria leve o seu netinho até o Mercado no dia 04/03 e 
ele pede pra ir ver os cachorrinhos... D. Maria nada nega a seus netos e
 leva o Joãozinho até lá. Joãozinho quer passar a mão em todos os 
filhotes que lá estão e, partículas virais presentes no nariz dos 
filhotes e nos pêlos de todos eles, são disseminadas a cada gaiola. O 
proprietário da loja pede a D. Maria para não deixar o Joãozinho passar a
 mão na boca dos filhotes."
Nesse momento, vou 
interromper nossa "historinha" para destacar dois detalhes. Onde estava 
Joãozinho antes de ir aos cãezinhos? Será que na sua casa não pode ter 
um cão doente? Será que no banco do ônibus onde o Joãozinho entrou pra 
ir passear não poderia ter sentado uma pessoa que tinha um cão doente em
 casa? O Joãozinho pode ter levado uma doença para esses filhotes, não é
 mesmo? Outro detalhe: Se o dono da loja não deixa o Joãozinho por a mão
 na boca dos cães mas deixa que ele ponha a mão nas costas dos cães, 
quem explica para os cães que eles não podem encostar a boca nas costas e
 no pescoço uns dos outros? Como este "cuidado" de evitar a boca dos 
filhotes se justificaria se é normal a brincadeira entre filhotes da 
mesma gaiola? Seguimos com a história...
Joãozinho
 se encanta com um filhotinho de Dálmatas igualzinho ao do filme e 
começa a exigir que D. Maria compre aquele filhotinho pra ele... D. 
Maria não nega nada ao netinho e compra o Dálmata que passa a se chamar 
Nick. O filhote, que já estava estressado pela mudança da casa de sua 
mãe para a gaiola do Mercado Central agora se separa de seus irmãos e 
vai morar sozinho e outra casa diferente! Mais um motivo para 
estresse... No dia 13/03, Nick terá sua primeira diarréia. 
Dos quatro outros filhotes que lá 
ficaram, mais três foram vendidos, rendendo ao dono da loja, um total de
 600 reais que precisarão ser divididos para pagar funcionários que 
mantem a loja limpa, material de limpeza, ração, e mais alguns custos 
menores. O penúltimo filhote foi vendido no dia 15/03 mas havia ocorrido
 um vômito ainda na loja e, por isso, o dinheiro da venda dele pode ser 
requisitado de volta pelo último comprador, que pagou R$150,00. Ou seja,
 nem dá pra contar com esse recurso financeiro para iniciar o tratamento
 daquele filhote que ficou sem ser vendido. De fato, as suspeitas de uma
 doença naquele último filhote se confirmam assim que ele também se 
sente estressado por ficar sem a companhia de seus quatro irmãos. 
 Mais uma vez eu interrompo o relato para contar aos leitores que, 
apesar de ser uma história absolutamente fictícia, por inúmeras vezes 
recebi em meu consultório pacientes oriundos do Mercado Central. Na 
maioria das vezes, o animal apresentava sinais clínicos de virose que 
mais tarde se confirmaram sendo de cinomose. Por uma questão sanitária, 
eu não podia receber internados estes animais, pois, pela facilidade de 
transmissão da doença especialmente em ambiente de estresse, internar 
cães com cinomose contaminaria outros pacientes e, sobretudo, o ambiente
 interno da clínica, bem como os profissionais que precisarem ter 
contato com as secreções nasais, lacrimais, orais e fecais desses cães. 
Portanto, nenhuma clínica interna um cão doente de cinomose, exceto se 
houver um esquema muito específico para este tipo de doença, o que, 
economicamente, é muito complicado e nunca fica 100% seguro. Em outras 
palavras, não por falta de empatia com estas vítimas ou com seus 
responsáveis, eu tive de negar socorro de tratamento intensivo com soro e
 medicações injetáveis por causa da agressividade da doença. Se 
autorizadas essas internações, digamos que por um período curto de seis 
dias, cada uma delas não sairia por menos de 800 reais em nenhuma 
clínica de Belo Horizonte.
Logo, pergunto àquelas pessoas 
que compram os animais do Mercado Central: o que vocês acreditam que 
acontecerá ao último dos cinco irmãos do Nick? E ao Nick, que foi 
comprado por um capricho e pode chegar em uma casa que não está 
preparada para recebê-lo? Os pais do Joãozinho vão conseguir dedicar 
todo o tempo necessário para a recuperação do animal que nem era TÃO 
bem-vindo assim?
E você que compra outros itens no Mercado 
Central, como eu mesmo!? Não pode levar pra casa itens que tiveram 
partículas virais depositadas em sua superfície por causa dos espirros 
dos filhotinhos ou pelo contato das mãos de pessoas que passaram pelo 
terrível corredor de exposição dos animais? E as doenças carreadas pelas
 aves? A perigosa Salmonella sp.
 muito presente nas fezes dos répteis? Sem falar nos piolhos dos 
pássaros... E nos fungos, bactérias e outros parasitas trazidos sob as 
escamas dos peixes comprados e, sem o devido cuidado, introduzidos no 
seu aquário?
Você gosta de fígado com jiló de tira-gosto 
para aquela cervejinha gelada? Você gosta de artesanato? Compra 
embalagens no Mercado Central para revender seus produtos? Você nunca 
ouviu algum parente distante, vizinho ou amigo comentar que comprou 
aquele Trinca-ferro com um "cara que tem uma loja no Mercado Central"? 
Você gosta realmente do Mercado Central por qualquer outro motivo? Então
 não permita que essa mancha negra, essa névoa, permaneça sobre a 
reputação do nosso Mercado Central! Não estimule o comércio de animais 
lá dentro... Não compre filhotes por dó ou por qualquer outro 
sentimento, pois seu dinheiro vale o mesmo que o de todo mundo e será 
usado para financiar o sofrimento de outros filhotes e animais.
Não há motivo para pânico por parte dos vendedores de animais, pois eu
 conheço muita gente, mas muita gente mesmo, que abandonou sua 
frequência ao Mercado Central porque soube, por mim ou por outros 
veterinários, da condição a que são submetidos esses seres e, na medida 
em que o comércio não mais acontecer, haverá um acréscimo no número de 
frequentadores gradualmente. Logo, mais mercado pra todo mundo. 
Mudanças são difíceis, mas as vidas de nossos animais são ainda 
mais importantes e o comércio animal já não tem o mesmo brilho aos olhos
 de uma sociedade cada vez mais consciente.




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