O X do século XXI - 10 minutos com Philip Wollen, ex vice-presidente do Citibank

A verdade que nenhum ambientalista pode deixar de mostrar:
Como a indústria da morte e crueldade dos animais está devastando o planeta, arruinando as espécies, adoecendo e matando de fome a humanidade em proporções gigantescas.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Pensando mais além

O fim dos tempos, segundo Zizek

A visão do filósofo esloveno, excêntrico, polêmico e controvertido

15/09/2010
 Aleksander Aguilar

O esloveno Slavoj Zizek se tornou uma celebridade das ciências humanas, uma espécie de pop star da filosofia. Rotulado como um dos principais teóricos contemporâneos no campo da crítica cultural e da análise de problemas da política internacional, Zizek desfruta dessa reputação, jogando o jogo que lhe foi montado, fazendo as vezes de intelectual excêntrico, polêmico e controvertido – um rol que não reduz nem o seu brilhantismo, nem a pertinência das suas idéias.
Filosofia e crítica cultural e política vinculam-se de maneira singular em seu trabalho, marcado por um estilo cheio de ironias e quase-sarcasmos. E, ao utilizar principalmente o cinema para ilustrar suas opiniões, ganhou notoriedade neste campo e se converteu em um especialista na análise da obra de David Lynch e Alfred Hitchcock. O intelectual, assim, galgou e encravou seu nome como critico de cultura. Mas é ao manter suas idéias ligadas ao horizonte do marxismo e do comunismo que Zizek firma sua importância no debate sobre a desintegração dos Estados socialistas, sobre globalização e papel da esquerda mundial. O comunismo de Zizek não tem, no entanto, nada que ver com as experiências sob este nome do século XX, senão o desafio de enfrentar, e resolver, os atuais grandes problemas da humanidade.

O fim dos tempos
Na esteira do lançamento do seu mais recente livro, ainda sem título em português, Living in the End Times, Zizek participou como um dos principais destaques do London Literature Festival e de um longo debate na prestigiosa London School of Economics (LSE), em julho na Inglaterra.
Professor da Universidade de Lubliana (Eslovênia) e diretor internacional do Instituto de Humanidades da Birbeck, Universidade de Londres, Zizek também é psicanalista e notoriamente conhecido como um especialista em Jacques Lacan, o principal seguidor de Sigmund Freud. Viveu sua vida universitária no ambiente de formação da república socialista iugoslava. Logo da independência da Eslovênia, depois da queda da União Soviética, em 1991, foi candidato à presidência da República pelo partido liberal democrático esloveno.
Com a língua presa, mas afiada, Zizek, cheio de tiques nervosos, falou para um lotado auditório do Royal Albert Hall sobre seus quatro cavaleiros do apocalipse, aqueles que em sua opinião trazem o inquestionável fim do capitalismo: a crise ecológica mundial, os desequilíbrios do sistema econômico, a revolução biogenética e a explosão das divisões e rupturas sociais. Mas a pergunta base da reflexão é: se o fim do capitalismo é visto por muitos como o fim do mundo, como a sociedade ocidental pode enfrentar este período de fim dos tempos?
“Democracia não é suficiente”, dispara. Não se se trata apenas do seu sentido conhecido de eleições pluripartidárias, de Estado de direito. Uma diferente mobilização sócio-política é o lugar onde as mudanças deveriam acontecer, argumenta. Na opinião de Zizek, há uma sobrecarga de críticas vulgares anti-capitalistas. Ao mesmo tempo, do outro lado desse fenômeno global, existem tentativas de legitimar um capitalismo ético pós-moderno que aposta em equilibrar um discurso de responsabilidade social e ecológica.

Capitalismo natural
Para o filósofo esloveno, a referência mais presente disso é o chamado “capitalismo natural”. Trata-se do conjunto de idéias para uma reinvenção do capitalismo, expostas no livro encabeçado pelo economista estadunidense Paul Hawken, que ganhou dimensão de movimento. Ele propõe uma nova revolução na produção mundial comparável com a Primeira Revolução Industrial. Como seria a economia se ela fosse organizada não através das abstrações econômicas neoclássicas, mas sim das realidades biológicas da natureza?
Para contra-atacar as negligências do capitalismo industrial tradicional para com os recursos naturais e os sistemas vivos sociais e culturais, essa teoria propõe uma mudança na abordagem da produção mundial. De acordo com os autores, há quatro estratégias centrais para se chegar a uma nova revolução industrial: a conservação dos recursos através de uma manufatura mais efetiva dos processos de produção, a reutilização de materiais na forma como são encontrados nos sistemas naturais, uma mudança dos paradigmas de valorização da quantidade para a qualidade e uma restauração e a sustentabilidade dos recursos naturais.
Porém, Zizek afirma que, apesar de parecer que tamanha redefinição de capital seja eticamente benéfica, sua implementação demandaria, como mínimo, um controle e regulação estatais muito mais estritos; com agências governamentais definindo e implementando no mercado preços de commodities naturais. A estratégia do capitalismo natural é salvar o planeta dos problemas ecológicos para que tudo se torne uma commodity. Enquanto mantém a matriz do capitalismo – o lucro expandindo suas próprias formas de reprodução – propondo a salvação disso precisamente através dessa excessiva universalização, o núcleo central do problema permanece sendo a busca pelo lucro como a razão da reprodução econômica.
E se o capitalismo busca reinventar-se, Zizek, com o humor seco e duro que marcam seu estilo, não deixa nem mesmo Antonio Negri escapar da sua crítica. O filosofo esloveno desafia o conceito de “multidão” do italiano, que se baseia nas atuais subjetividades políticas para permitir-se afirmar que basta a eliminação do já parasitário capitalismo (segundo entende Negri) para alcançar o comunismo. “Todos os exemplos convincentes de multidão que Negri apresenta são exemplos de dentro do capitalismo. Não vejo então fundamento sobre como essa idéia de multidão pode ser trazida daí para a totalidade da sociedade. Onde a multidão realmente começa a funcionar por si mesma?”, questiona.
Para Zizek, um dos pontos-chaves da principal obra de Negri, Império (que se tornou uma espécie de manifesto do movimento anti-globalização), não se justifica. A noção de Estado-nação não está desaparecendo; pelo contrário, está ficando cada vez mais forte. O que deveria ser totalmente abandonado, na percepção do filósofo esloveno, não é apenas a perspectiva dos Estados socialistas na forma da esquerda do século XX – aquilo que costuma-se chamar Estados comunistas –, mas também o chamado Estado social democrático de bem-estar.
E, para não perder a viagem, Zizek segue: “Apesar disso, eu estou com Negri contra Alain Badiou, porque meu problema com Baudiou é mesmo com a maioria dos filósofos políticos de orientação francesa, onde se inclui também Ernesto Laclau e outros. Vocês percebem como não há espaço no trabalho deles para o que Marx chama de crítica da economia política? Eles afirmam que economia não tem nada a ver com política. Nesse ponto eu concordo com Negri: a economia é a arena onde as batalhas devem ser travadas, vencidas ou perdidas”.

Nova configuração europeia
A necessidade do horizonte comunista é apontada por Zizek, por exemplo, no atual cenário da Europa Ocidental e Oriental onde há sinais de uma reacomodação política de longo prazo. Há até recentemente, o espaço político estava dominado por dois partidos principais que conseguiam atender todo o seu corpo eleitoral: uma força de centro-direita (cristãos-democráticos, conservadores-liberais) e uma força de centro-esquerda (socialistas, social-democratas).
Agora, vemos uma progressiva nova polaridade. Zizek identifica a emersão de um partido que se posiciona a favor do capitalismo globalizado, geralmente com relativa tolerância ao aborto, direitos homossexuais, religião e minorias étnicas. E, em oposição a esse partido, há um agrupamento popular anti-imigrantes cada vez mais forte, que está acompanhado diretamente por grupos neofascistas. Nesse ambiente de despolitização das administrações pós-ideológicas – que, para Zizek, conforma uma “dinâmica perigosa” –, a única maneira de mobilizar as pessoas é provocar o medo (ameaça imigrante, por exemplo).
É a partir dessa constatação que o esloveno afirma que apenas o fantasma da esquerda poderá salvar as liberdades do liberalismo que valem a pena serem salvas. “Quando debatemos com os liberais, não deveríamos dizer: 'ah, vocês são os inimigos burgueses, não discutimos como vocês!' Deveríamos, sim, alertá-los. 'Sim, nós também gostamos das suas liberdades, mas apenas uma esquerda bem estabelecida em longo prazo irá ajudar a salvar os aspectos dessas liberdades que valem a pena. Se não for assim, vocês irão perder cada vez mais espaço para a extrema direita'”.

Apocalipse ecológico
O outro sinal desse fim dos tempos, a crise ecológica mundial, é também analisado por Zizek como um aspecto que pode ser considerado cínico na nossa realidade. O discurso de fazer a nossa parte está permeado de cinismo e pode tangenciar os grandes problemas causados pelas grandes empresas com a retórica do “consumo responsável e sustentável”. “Toda idéia de reciclar o lixo, poluir menos..., tem algo de superstição. É como olhar a Copa do Mundo e estar em frente à TV gritando incentivos aos jogadores. Sabemos que é absolutamente insignificante, mas ainda assim o fazemos”, compara.
Para Zizek, os problemas que o mundo enfrenta hoje não podem ser apenas tratados pelo “capitalismo melhorado”, ou natural, nem pelas instituições democráticas. Nesse sentido, ao fazer referência aos problemas comuns da humanidade, é que comunismo ainda deve ser utilizado. “Coisas tremendas precisam ser feitas. Tomemos como o exemplo, muito factível, o vulcão na Islândia. E se a explosão tivesse sido tão grande ao ponto de todo o território islandês tornar-se inabitável? Não teríamos mecanismos para resolver o que fazer com a sua população. Para onde iriam? Deveriam se dispersar por todo o planeta? Os deslocamentos de grandes grupos humanos, por conta das mudanças na natureza, são questões presentes e altamente complicadas para as quais não temos respostas”, provoca.
Isso é o que Zizek quer dizer com comunismo. O Estado liberal, no seu atual sentido jurídico-legal, com parlamento e Estado de direito, não é suficiente. “Eu não me refiro à volta do camarada Stalin. O comunismo do século XX foi uma das maiores tragédias da história. Eu apenas afirmo que nós estamos enfrentando problemas para os quais o capitalismo não é suficiente. Estou preparado para ser parte desse legado histórico da esquerda que se move um passo adiante da democracia”. Eis a reflexão chave do fim dos tempos, segundo Zizek: o espaço da sociedade como conhecemos está para terminar e é tempo para interpretações mais radicais.

Aleksander Aguilar é jornalista, licenciado em Letras e mestre em Estudos Internacionais.

Entrevista de Zizeg no Programa Roda Viva da TV Cultura de SP:

sábado, 27 de novembro de 2010

A crise financeira e o impacto ambiental. Entrevista especial com Ladislau Dowbor

Esta entrevista de dois anos atrás continua atual devido à crise nos EUA e Europa continuar, e à perspectiva de que perdurará or muito. Quanto à esperança apontada em Obama, deve ter diluído, considerando as medidas reentes dos EUA de inflacionar a economia mundial com um montante fabuloso de dólares para estimular o consumo ods produtos norte-americanos no mundo, medida que já foi adotada nos anos 70 com a crise do petróleo, e que foi tão nefasta para o Brasil na época.

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[The financial crisis and the environmental impact. Special interview with Ladislau Dowbor]

A crise financeira surge em meio à outra crise, tão relevante para nossas vidas quanto o problema econômico: a crise ambiental. No entanto, os problemas previstos com a questão do clima no mundo suscitaram debates, discussões e pouca adesão. Porém, a crise financeira promoveu uma mobilização mundial para reestabilizar o mercado mundial. Segundo o professor Ladislau Dowbor, que concedeu a entrevista a seguir, por telefone, à IHU On-Line, precisamos “colocar o problema das finanças no plano de fundo do reequilibramento da desigualdade planetária e no financiamento da problemática ambiental”. Dowbor analisou a relação entre as duas crises, as emergências para repensar o meio ambiente a partir do que será construído para reorganizar o mercado financeiro e também sobre as oportunidades que surgem para a natureza a partir da crise no sistema econômico. “Há uma gigantesca esperança com a eleição do Obama porque os Estados Unidos, como economia mais forte do planeta, generalizou políticas que eram contrárias ao ambientalismo, políticas unilaterais sem consulta, o desprezo pelas Nações Unidas e sistemas multilaterais de governança. Tudo isso, junto com políticas irresponsáveis na área de energia de finanças, gerou um buraco negro para o planeta”, afirmou.

Ladislau Dowbor é graduado em Economia Política, pela Université de Lausanne, na Suíça. É especialista em Planificação Nacional, pela Escola Superior de Estatística e Planejamento da Polônia, onde também obteve o título de mestre em Economia Social e doutor em Ciências Econômicas. Atualmente, é professor da PUC-SP. Sua mais recente obra é Democracia econômica: alternativas de gestão social (Petrópolis: Editora Vozes, 2008).

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Qual é o impacto da crise financeira traz sobre o meio-ambiente?

Ladislau Dowbor – No conjunto, trata-se de um problema central que na economia chamamos de regulação econômica. Os bancos e o sistema de intermediação financeira não trabalham com dinheiro próprio, mas com poupanças que são da população. Se você olhar na nossa constituição, verá que os nossos intermediários financeiros recebem autorização para trabalhar com o dinheiro do público com o objetivo de promover o desenvolvimento e assegurar o uso produtivo das poupanças. É óbvio que o sistema financeiro desgarrou completamente dessa visão e se transformou num sistema especulativo mundial. Isso vale para o conjunto de derivativos. Na véspera da crise, a circulação diária de aplicações especulativas era da ordem de 1,8 trilhão de dólares por dia, quando o volume de importações e exportações que justificariam transações financeiras como contrapartida gira em torno de 30 bilhões por dia. Então, é uma irresponsabilidade generalizada dos grandes bancos e dos investidores institucionais que passaram a fazer dinheiro com dinheiro sem se preocupar com a sua aplicação produtiva.

Isso é a base da crise, porque você monta um castelo de cartas entre especuladores baseado na incompreensão dos comuns mortais de como funciona essas coisas e o resultado é a quebra. O problema não está na crise em si. Esse é um sistema que simplesmente não funciona. Estamos nos reorientando para a redefinição das regras do jogo. O que está na mesa de discussão hoje é o Breton Woods II [1]. O Breton Woods do fim dos anos 1940 criou o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial, a ONU, enfim, criou regras do jogo que já estão ultrapassadas. O que está na mesa é como serão as regras do jogo para resgatar o eixo central. As poupanças, que são das populações e não dos intermediários financeiros, devem ser utilizadas para atividades produtivas, para o progresso social e para o equilíbrio ambiental; esse é o eixo central.

IHU On-Line – Em relação às mudanças climáticas, que urgências são suscitadas a partir da crise financeira?

Ladislau Dowbor – Ignacy Sachs [2] fala sobre as oportunidades que saem dessa crise, e Jeffrey Sachs [3] segue outra linha, que também é importante. Juntando essas visões, você descobre que podemos colocar na mesa o problema da crise financeira de forma mais ampla e discutir, então, a organização econômica e social do planeta. Ou seja, coloca o problema das finanças no plano de fundo do reequilibramento da desigualdade planetária e no financiamento da problemática ambiental. Esses são os dois grandes eixos de desafiam o planeta: a desigualdade – nós temos quatro bilhões de pessoas, segundo o Banco Mundial, que estão fora do chamado beneficio da globalização – e o aquecimento global que, na realidade, é a ponta mais visível, que implica no esgotamento das vidas nos mares, na erosão dos solos, na perda de cobertura vegetal por desmatamento irresponsável, ba contaminação generalizada da água doce no planeta. Afora isso, um detalhe: o petróleo fácil está acabando, ou seja, a matriz energética precisa ser repensada.

Então, a crise é bem mais ampla e, de certa maneira, ao desencadear, com extrema visibilidade para todo o planeta, a irracionalidade e a fraude sistemática que existe nos mecanismos financeiros põe em discussão as regras do jogo para a regulação planetária para o conjunto dos problemas sociais e ambientais. O planeta não pode simplesmente seguir o que o Nicholas Stern [4] – autor de um relatório importante sobre isso – prevê. O planeta está frente a frente com a responsabilidade. São problemas demasiadamente amplos. Nós acreditamos tempo demais que o mercado resolveria, que uma mão invisível resolveria. Nós precisamos de governança planetária que funcione.

Há uma gigantesca esperança com a eleição do Obama [5] porque os Estados Unidos, como economia mais forte do planeta, generalizou políticas que eram contrárias ao ambientalismo, políticas unilaterais sem consulta, o desprezo pelas Nações Unidas e sistemas multilaterais de governança. Tudo isso, junto com políticas irresponsáveis na área de energia de finanças, gerou um buraco negro para o planeta. Os Estados Unidos têm um peso tal para o planeta que não se conseguem soluções sistêmicas sem que eles contribuam. Então, essa virada atual abre imensas esperanças.

IHU On-Line – Como o senhor avalia a posição dos governos frente às duas crises?

Ladislau Dowbor – O Brasil vive uma situação bastante particular. Em primeiro lugar, o fator crítico no Brasil é a desigualdade social e nesse plano é um país que está indiscutivelmente fazendo a lição de casa. A partir do governo Lula, temos o Bolsa Família, que atingiu cerca de 45 milhões de pessoas, a capacidade real de compra com o salário mínimo superior a 30%, o que favoreceu cerca 26 milhões de trabalhadores. O aumento do salário mínimo, como ele é um regulador das pequenas aposentadorias, atingiu também a melhoria de cerca de 16 milhões de aposentados. Tivemos ainda um aumento em cerca de dez milhões de empregos nessa gestão e o aumento do Pronaf. As regiões mais pobres do país vivenciaram o Programa Territórios da Cidadania. Esse conjunto de iniciativas que inclui outros projetos, como o ProUni, de certa maneira está ajudando a reequilibrar socialmente o país. Esse é um eixo com resultados indiscutíveis.

O outro eixo é o ambiental, em que vivemos uma situação particular. Porque nós temos uma matriz energética que é das menos agressivas no planeta. O Brasil está baseado essencialmente em energia hidrelétrica. Onde nós somos mais vulneráveis é nas queimadas, como, por exemplo, aquelas utilizadas na produção de açúcar e na Amazônia. O terceiro eixo nessa problemática ambiental é que o Brasil tem a maior reserva planetária de terras agrícolas paradas, ao mesmo tempo em que possui imensas reservas de água. Com a necessidade de evolução para biocombustíveis, é óbvio que um país com gigantescas reservas de terra e água tem trunfos na mão extremamente poderosos.

O Brasil é, em grande parte, o eixo das soluções, não dos problemas. O problema está e continua nos Estados Unidos, que têm 4% da população e mais de ¼ da produção de gases estufas do planeta. É ali que realmente está se gerando a ameaça. Complementarmente, temos fortes ameaças da China e outros países com bastante peso populacional. Pense que a China e a Índia representam 40% da população mundial. Na visão mais ampla, o planeta deve repensar a sua sustentabilidade. Nós usamos, para essa mudança institucional necessária, a visão de que há três personagens sem voz: a natureza é silenciosa, os quatro bilhões de pobres do planeta não têm voz e nem aparecem na mídia, e as futuras gerações que serão privadas de água limpa, de vida nos mares etc., também não estão presentes para protestar. Então, esse sistema de desenvolvimento que nos enche de publicidade na televisão, com imagens de bonecas Barbie dizendo que está tudo uma maravilha, é muito demagógico e irresponsável.

IHU On-Line – Com as proporções que a crise financeira tomou, há uma perspectiva diferente para a abordagem ecológica? Como essa abordagem deve acontecer?

Ladislau Dowbor – Isso é justamente o que está se colocando embaixo do título geral de Breton Woods II. É interessante lembrar que Breton Woods surge a partir de uma gigantesca crise gerada por uma guerra mundial, 60 milhões de mortos e uma disposição do planeta de dizer um basta. De certa maneira, nesse sentido, a crise é geradora de oportunidades porque balança as visões do planeta. Se não fosse a crise financeira, o Obama não teria sido eleito, e então estaríamos com a continuação da exploração do petróleo e mais irresponsabilidades mundiais e mais guerras. Essa crise leva o presidente da França, um conservador liberal, a dizer: “Não é possível continuar sem recuperar o poder da política sobre os mecanismos econômicos”. Pensemos que há toda uma atitude brasileira no sentido de se construir alternativas.

IHU On-Line – Pensar no meio ambiente neste momento estimularia uma nova forma de desenvolvimento econômico? Que oportunidades para o meio ambiente surgem diante dessa crise financeira?

Ladislau Dowbor – Não tenho dúvidas. Isso passa por vários eixos. Nós precisamos mudar a matriz energética. Por isso, tantas empresas estão começando a produzir carros elétricos, sistemas mistos, enfim, estão buscando novas tecnologias. No mundo da agricultura, a simples extensão de grandes propriedades de monocultura com muitos pesticidas e contaminação, essa visão que chamamos de revolução verde, está sendo colocada de lado. Isso gerou um relatório planetário muito importante sobre a aplicação das tecnologias da agricultura.

Notas:

[1] As conferências de Bretton Woods, definindo o Sistema Bretton Woods de gerenciamento econômico internacional, estabeleceram em Julho de 1944 as regras para as relações comerciais e financeiras entre os países mais industrializados do mundo. O sistema Bretton Woods foi o primeiro exemplo, na história mundial, de uma ordem monetária totalmente negociada, tendo como objetivo governar as relações monetárias entre Nações-Estado independentes. As principais disposições do sistema Bretton Woods foram, primeiramente, a obrigação de cada país adotar uma política monetária que mantivesse a taxa de câmbio de suas moedas dentro de um determinado valor indexado ao dólar — mais ou menos um por cento —, cujo valor, por sua vez, estaria ligado ao ouro numa base fixa de 35 dólares por onça Troy, e em segundo lugar, a provisão pelo FMI de financiamento para suportar dificuldades temporárias de pagamento. Em 1971, diante de pressões crescentes na demanda global por ouro, Richard Nixon, então presidente dos Estados Unidos, suspendeu unilateralmente o sistema de Bretton Woods, cancelando a conversibilidade direta do dólar em ouro

[2] Ignacy Sachs é um economista polonês, naturalizado francês. Também é referido como “ecossocioeconomista” por sua concepção de desenvolvimento como uma combinação de crescimento econômico, aumento igualitário do bem-estar social e preservação ambiental. Suas idéias são hoje mais claramente compreendidas, no cenário das mudanças climáticas e da crise social e política mundial.

[3] Jeffrey David Sachs é um economista norte-americano conhecido pelo seu trabalho como conselheiro econômico de diversos governos da América Latina, do Leste Europeu, da extinta União Soviética, da Ásia e de África. Atualmente, trabalha como professor na Universidade de Columbia, nos Estados Unidos. Propôs uma “terapia de choque” como solução para as crises econômicas que afetavam a Bolívia, a Polônia e a Rússia como parte do seu trabalho de aconselhamento. É também conhecido pelo seu trabalho em agências internacionais para a redução da pobreza, o cancelamento da dívida e o controle de doenças, especialmente a AIDS, para os países subdesenvolvidos.

[4] Nicholas Stern é chefe do serviço econômico do governo de seu país. Há dezesseis anos, pesquisa o impacto do aquecimento global na economia mundial. Ex-economista-chefe do Banco Mundial e diplomado pelas universidades de Cambridge e de Oxford, Stern lançou mão de modernos modelos matemáticos e econômicos na tentativa pioneira de estimar os prejuízos decorrentes do chamado efeito estufa.

[5] Barack Hussein Obama II nasceu em Honolulu. Foi eleito, no dia 4 de novembro de 2008, presidente dos Estados Unidos. É senador pelo estado de Illinois. Obama foi o primeiro afro-americano a ser eleito presidente estadunidense. É também o único senador afro-americano na atual legislatura. Atuou como líder comunitário e como advogado na defesa de direitos civis.

Nota do EcoDebate: sugerimos que leiam, também, outras entrevistas, publicadas pelo Ecodebate, com o prof. Ladislau Dowbor:



(http://www.EcoDebate.com.br/, 07/11/2008) publicado pelo IHU On-line, 06/11/2008 [IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos - IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Uma análise sem paixões do governo Lula

Para os liberais, o governo Lula foi socialista (intervenção forte do Estado na economia) populista. Para os marxistas "nacional e liberal desenvolvimentista" (continuidade do neoliberalismo em detrimento dos ideais socialistas: UNB). O fato é por suas especificidades histórias, a economia do país nunca foi liberal no sentido de livre de grandes intervenções do Estado. 

Num cenário onde as pessoas anônimas ou não avaliam o governo mais com paixão do que discernimento ( e os estudiosos de publicidade política afirmam que votamos mais com a emoção do que a razão), aqui postamos um artigo de "bom tom" (sem frizar as questões éticas do governo inclusive em relação aos Direitos Humanos que tanta polêmica causam) publicado pela IHU há dois anos, mas muito atual. Com equilíbrio, sem ufanismo ou pessimismo, sem parcialidade explícita, que não desagrada gregos e troianos, a era Lula e a classifica como "pós-neoliberal pragmático".

As imagens foram selecionadas por nós, sendo uma da capa da Economist mostra a percepção positiva de quase todas as agências de consultoria econômica internacionais - excessão das que seguem uma avaliação próxima da Escola Austríaca de Economia, como revela o jovem economista liberal Rodrigo Constantino http://vimeo.com/12678194 que nos dá uma luz sobre as razões o discurso de Lula e Dilma em prol da austeridade e da CPMF depois de encerradas as eleições.Austeridade que por cautela, devemos ter com dívidas de médio e longo prazo.

Depois de dois anos de investimento pesado em prol das eleições (como mostra o gráfico mais abaixo), e a má conjuntura internacional para os próximos 4 anos, Guido Mantega em entrevista ontem ao Jornal Nacional (25/22/10), logo após anunciada a nova equipe econômica do governo Dilma, avisa: houve um gasto maior nos últimos dois anos devido as necessidades específicas e a hora é de conter os gastos públicos, impedir o aumento das despesas. Como equacionar isto sem descontentar os setores que a elegeram? Ainda não há respostas, só o tempo dirá. 

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Governo Lula. Um governo ‘pós-neoliberal pragmático’

Lula chega ao final do seu segundo ano de governo, em seu segundo mandato. Restam ainda dois anos. Após esse longo período já é possível um balanço definitivo sobre o caráter e a natureza do governo Lula. Um governo complexo, intrigante e, porque não dizê-lo, fascinante naquilo que comporta uma análise sociológica. Assim é o governo Lula. As análises da conjuntura postadas no sítio do IHU nesse ano permitem uma interpretação do caráter político do governo. Ousamos aqui definir o governo Lula como um governo ‘pós-neoliberal pragmático’.

É pós-neoliberal porque não se pode simplesmente afirmar que Lula é mero continuísmo de Fernando Henrique Cardoso. Embora os princípios macroeconômicos que orientaram a política econômica anterior não tenham sido alterados, e na essência permaneçam os mesmos, é inegável que com Lula, com todos os limites que apresenta, o Estado assume um novo papel na sua relação com a economia e com a sociedade. Lula adota um pós-neoliberalismo pragmático.
 
Distingue-se assim de outros governos latino-americanos como Evo Morales, Hugo Chávez, e em medida menor Rafael Correa, que adotaram como política um ‘pós-neoliberalismo reformador’. Esses governos, em maior ou menor grau, optaram por políticas de confronto explícito com o ideário neoliberal e colocaram em marcha políticas de caráter antineoliberal. O curioso – e aqui ousamos polemizar – é que até o momento os governos ‘pós-neoliberais pragmáticos’ parecem que têm dado mais certo que os governos ‘pós-neoliberais reformadores’, levando-se em conta as sucessivas crises políticas que Evo Morales, na Bolívia, e Chávez, na Venezuela, enfrentam.

Lula, e aqui se pode citar também Bachelet, Tabaré Vázquez, o casal Kirchner e agora Lugo, optaram por um tipo de pós-neoliberalismo que não entra em confronto com o capital, mas antes de tudo estabelece alianças com esse capital na perspectiva da retomada do crescimento econômico. No caso específico de Lula, o seu governo desenvolve, ao mesmo tempo, um forte programa social, que se por um lado, pode ser considerado como ‘compensatório’, por outro, assume uma amplitude social que não pode ser desconsiderada.

Lula se transformou em um grande conciliador de classes. Na economia, procura reeditar o governo Juscelino Kubitschek (JK) e na política, o governo Vargas.

Sob a perspectiva econômica, Lula não esconde de ninguém que gostaria de ser lembrado como um “novo JK”. Segundo o presidente: “A sigla JK incorporou-se à consciência como sinônimo de um certo Brasil orgulhoso de si mesmo e confiante do futuro”. O “Brasil à moda JK” de Lula retoma o conceito de “desenvolvimentismo”. Por um lado, este conceito está associado ao papel do Estado como indutor da economia e, de outro, na premissa que o crescimento econômico é o grande condutor da distribuição de renda. O conceito é originário dos anos 50 e está ligado aos governos Vargas e JK e até mesmo aos militares, períodos em que o Brasil cresceu de forma acelerado a partir de investimentos pesados em infra-estrutura.

Entretanto, o nacional-desenvolvimentismo praticado pelo governo Lula é distinto do praticado na Era Vargas. No período anterior, os investimentos realizados pelo Estado constituíram a formação de um capital produtivo sob controle do próprio Estado. Foi assim que surgiu a CSN, a Companhia Vale do Rio Doce, a Petrobrás, a Eletrobrás, o sistema Telebrás. Foram essas empresas que possibilitaram a modernização conservadora do país e o alçou a uma das potências econômicas mundiais.

O nacional-desenvolvimentismo de Lula, sob a perspectiva econômica, assemelha-se ao de JK e não ao de Vargas, ou seja, o Estado presta-se antes de tudo ao fortalecimento do capital privado. Com o governo JK se deu a formação do tripé Estado, Empresas Estrangeiras e Empresas Nacionais. O papel do Estado é o de responder às demandas de infra-estrutura, de energia e logística para atender aos interesses do capital privado nacional e transnacional. Foi o que procurou realizar JK e é o que faz Lula tendo no Programa de Aceleração da Economia (PAC) a sua síntese.

Destaque, entretanto, que o governo Lula tem sua porção nacionalista ao defender o fortalecimento do Estado como visto nos temas do pré-sal e na conformação de uma ‘supertele’ de capital nacional. Porém, mesmo nesses temas o governo apresenta sinais contraditórios. Na questão do pré-sal, o presidente Lula em tom nacionalista, lembrando os tempos da campanha ‘O petróleo é nosso’ afirmou que o “Petróleo não pode ficar na mão de meia dúzia”. “Esse patrimônio que está a 6.000 metros de profundidade é da União, de 190 milhões de brasileiros. Precisamos utilizá-lo para fazer reparação aos pobres deste país”, disse o presidente.

Grosso modo, o governo já tem definidas quatro grandes linhas estratégicas para a exploração de petróleo na camada do pré-sal: 1) serão garantidos os blocos já leiloados e respeitados os contratos assinados; 2) não será mais concedido à iniciativa privada ou à Petrobrás nenhum novo bloco nessa área ou na franja do pré-sal, pois decidiu-se que o regime a ser adotado será o de partilha de produção; 3) a possibilidade da criação uma empresa estatal, não operacional, para gerir todos os contratos de exploração do pré-sal; 4) o Brasil terá um regime misto de exploração do petróleo, sendo de concessão para áreas de alto risco exploratório e de partilha de produção para o pré-sal.

Destaque-se ainda que há um ingrediente político-eleitoral que pesa na decisão sobre o destino da riqueza dos poços da camada pré-sal. Lula acreditaque o uso social dos recursos do pré-sal vitaminará politicamente a ministra da Casa Civil Dilma Rousseff, provável candidata a sucessão de Lula. Se por um lado, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) é a “vitrine” para tornar Dilma conhecida, o pré-sal, poderá ser o “palanque” em 2010. Considere-se ainda que Dilma, por ser ex-ministra de Minas e Energia, tem afinidade técnica com a área energética, e isso facilita a tarefa de Lula de ligá-la positivamente ao pré-sal.

No caso da ‘supertele’, a fusão da Oi (ex-Telemar) com a Brasil Telecom (BrT) recebeu forte apoio do Estado com capital subsidiado pelo BNDES e ativa participação dos Fundos de Pensão, sobre os quais o governo exerce influência. O lado nacionalista da iniciativa, por parte do governo, estaria numa estratégia de se contrapor aos grandes grupos estrangeiros, como o mexicano Telmex e o espanhol Telefônica. A intricada operação envolveu dois grandes empresários nacionais Sérgio Andrade (grupo Andrade Gutierrez) e Carlos Jereissati (grupo La Fonte) e os fundos de pensão vinculados aos sindicatos e as estatais. Atente-se para o fato de que o dinheiro público do BNDES, lastreado, sobretudo pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), já havia sido utilizado para irrigar essas mesmas empresas de telefonia privatizadas. Agora, novamente o Estado entra com recursos favorecendo as mesmas empresas, mas repassando-as para mãos privadas – empresários nacionais. Em síntese um capitalismo sem riscos.

Registre-se ainda que as operações em torno das empresas de telefonia envolvem o nome de Daniel Dantas – produto de uma profunda ‘revolução silenciosa’ que se processou no capitalismo brasileiro a partir dos anos 90: a brutal transferência de ativos do Estado para o mercado. O personagem, um produto da ‘Era FHC’, flertou perigosamente com o governo Lula e envolveu várias lideranças petistas. Uma análise do caso Dantas pode ser lida acessando-se a Conjuntura da Semana do início do mês de julho 2008.

Se por um lado, Lula incorpora em seu governo na área econômica iniciativas de caráter nacionalista e defende a importância do Estado como o indutor do crescimento, por outro, é inequívoco que não rompeu com os ditames da macro-teoria econômica neoliberal. Entre outros exemplos, registre-se a polêmica do fim da dívida externa vendida como um falso rompimento com o Fundo Monetário Internacional (FMI) e a ruidosa comemoração com o recebimento do Investment grade.

No primeiro caso, o anúncio do Banco Central de “zeramento” da dívida externa diz respeito muito mais a uma conta de contabilidade do que de fato ao fim da dívida. Pela primeira vez, o Brasil reuniu reservas cambiais superiores à sua dívida externa total. Em tese, a dívida externa foi zerada em função de que os ativos (dinheiro, créditos, investimentos), aplicados no exterior superam o valor de todo o endividamento contraído. Ou seja, significa que o Brasil seria capaz de pagar toda a dívida externa usando só as aplicações que tem lá fora. Em outras palavras, mesmo que o país decretasse um calote (moratória) os recursos que governo e empresas já possuem atualmente aplicados no exterior seriam suficientes para saldar o que supostamente deve. Entretanto, trata-se de uma ‘matemática’ da expertise.

De qualquer forma, a veracidade integral ou parcial do anúncio é resultante da rigorosa aplicação da ortodoxia macroeconômica adotada pelo governo Lula em continuidade a FHC. Dois economistas de coloração partidária diferente exultaram o feito. De um lado, o economista Luiz Carlos Mendonça de Barros, ex-ministro das Comunicações e presidente do BNDES do governo Fernando Henrique Cardoso, afirmou exultante: “Como nossa economia mudou nesta última década!”. Segundo ele, “a informação divulgada pelo Banco Central, apesar de já esperada havia tempos, tem uma importância tão grande. Ela marca o fim de uma época de crises constantes, crescimento medíocre e altamente instável, estagnação da renda da população e piora da distribuição de renda por conta da inflação elevada”. Para Mendonça de Barros, “o ajuste das contas externas é um presente, um efeito colateral do crescimento asiático, que elevou nossos termos de troca. Pode ser comparado ao primeiro estágio de um foguete que pode nos levar ao desenvolvimento”. Por outro lado, Paulo Nogueira Batista Jr, economista ligado ao PT, disse entusiasmado: “Nunca pensei que fosse viver esse dia”.

No segundo caso, a notícia de que a agência de classificação de risco Standard & Poors (S&P) considerada uma das mais importante do mercado financeiro, promoveu o Brasil ao chamado grau de investimento – investment grade – manifesta o coroamento da política econômica ‘tucana’ no governo Lula. A atribuição – dada antes da crise econômica mundial – indica que o país tem capacidade de honrar o pagamento dos títulos que emite e oferece segurança ao investidor. O investment grade é o reconhecimento do mercado financeiro internacional de que o Brasil fez a ‘lição de casa’, ou seja, não se desviou do trilho da ortodoxia fiscal iniciada por Fernando Henrique Cardoso. Com certa ‘dor de cotovelo’, Luiz Mendonça de Barros, ex-todo poderoso ministro de FHC, reconhece que “ao estender ao Brasil o grau de investimento, a agência está dizendo que nossa política econômica segue o receituário da ortodoxia das economias de mercado. Em outras palavras, que o governo Lula segue os caminhos trilhados por seu antecessor na busca de um crescimento econômico centrado nas forças de mercado”. Aquilo que sempre foi o desejo de consumo dos tucanos chega ironicamente, anos depois, num governo do PT.

O agraciamento do investment grade é o coroamento da política econômica iniciada por Fernando Henrique Cardoso. Ele não veio com FHC, mas veio com Lula. Como diz a jornalista Maria Cristina Fernandes, “o grau de investimento chegou seis anos depois da Carta ao Povo Brasileiro. A carta ficou registrada na crônica política como a rendição do PT ao sistema financeiro”. Se no começo o capital financeiro tinha algum receio do governo petista, hoje não tem mais. Pelo contrário, o governo Lula é um exemplo para Wall Street.

“Jamais vi uma combinação de um governo que Wall Street ama, e com taxas de aprovação popular altíssimas, após seis anos de mandato”, diz Thomas Trebat, diretor do Centro de Estudos Brasileiros na Universidade Columbia, comentando o investment grade dado ao Brasil. Na opinião do Página/12, jornal argentino, o Brasil é “um sócio mimado pelos mercados”. Recorde-se que o governo Menem, que se orgulhava das relações carnais com os EUA, e o exemplo mais acabado do neoliberalismo nos anos 90 em território latino-americano, também foi agraciado com o investment grade.

O governo ‘pós-neoliberal pragmático’ de Lula é um sucesso. Recentemente recebeu as mais altas taxas de aprovação que jamais um presidente na história republicana teve – talvez apenas Vargas tenha se aproximado da popularidade que desfruta Lula. O sucesso de Lula está ancorado por um lado na economia e, por outro, nas políticas sociais. Pesquisas publicadas recentemente, e amplamente reproduzidas pelo sítio do IHU, indicam que a classe média cresceu e o número de pobres encolheu no país entre 2002 e 2008. As pesquisas desataram uma intensa polêmica, sobretudo a que caracteriza o que é a classe média, tema que foi objeto de uma revista IHU On-Line. Acerca das pesquisas, o sociólogo José de Souza Martins comentou: “Tudo indica que chegamos ao fim da era das demandas radicais e socialmente transformadoras”, destacando o ufanismo com o aumento do poder de consumo dos brasileiros mesmo o país não tendo resolvido os seus problemas estruturais.

Passados seis anos do governo Lula se percebe uma rendição ao conformismo social e político. Não foi colocada em marcha nenhuma grande reforma estrutural na sociedade brasileira. A reforma agrária permanece truncada, a saúde pública persevera em seu estado calamitoso, a educação não dá sinais de melhoria substancial. Os grandes problemas brasileiros persistem: “Continuam ardendo nos olhos de todos nós os cortiços e favelas, as crianças de rua, as evidências de uma numerosa humanidade sem futuro.
 
Tanto os dados do Ipea quanto os da FGV, divulgados nestes dias, sobre a expansão da classe média, nos põem diante da persistência de indicações de que um número imensamente maior dos beneficiários da ascensão social aparente permanece na fila de espera das próprias regiões metropolitanas, que são a referência desses dados. Sem contar os ocultos e invisíveis, refugiados no restante do Brasil, os estatisticamente mal-amados”, afirma José de Souza Martins.

Conclui dizendo que “a proclamação do triunfo estatístico da classe média é documento menos de uma classe média emergente ou nova e muito mais documento do novo conformismo social e político, subjacente não raro a uma mentalidade e a uma linguagem pseudo-radical e pseudo-social”. O risco é o de um país incluído no mercado do consumo, mas não necessariamente incluído do ponto de vista da substancial melhoria da qualidade de vida. Ou seja, ao mesmo tempo em que se vêem shoppings cada vez mais cheios, permanecem as filas dramáticas nos postos de saúde, a educação pública de qualidade crítica, os problemas de saneamento irresolvíveis.

Poder-se-ia afirmar que o governo Lula rendeu-se à lógica economicista e o seu modelo desenvolvimentista revela-se cada vez mais dependente do mercado. O Estado, agente indispensável no modelo desenvolvimentista coloca-se, sobretudo a serviço da lógica do mercado. Nesse contexto é que devem ser compreendidas as obras da transposição do S.Francisco, as hidrelétricas do rio Madeira, a retomada do programa nuclear, a retomada da indústria bélica no país, a concessão das rodovias públicas, a tolerância com o agronegócio – para ficar em alguns exemplos.

Em parte, esse “modelo” é explicada pela concepção de mundo de Lula. Segundo Gilberto Carvalho, assessor especial de Lula, o presidente “fica feliz da vida com o crescimento todo, a produção industrial, a produção agrícola e ao mesmo tempo a distribuição dessa riqueza traduzida em salários, em empregos, em melhor qualidade de vida para o povo”.

A favor do modelo desenvolvimentista do governo Lula, como um dos seus pilares para a correção das distorções das desigualdades estruturais está o aumento do salário mínimo, o crescimento do emprego (nesse momento abalado pela crise econômica) e a oferta de crédito. Entre os agentes de intervenção social do modelo de Estado do governo Lula estão os programas de mitigamento da miséria, como o Bolsa Família.

O programa Bolsa Família diz respeito a outra face do pós-neoliberalismo pragmático de Lula. “Programas de assistência social como o Bolsa Família não buscam mudança, mas apaziguamento. É o que qualifica de sistematização da miséria”, afirma sociólogo Francisco de Oliveira. O mesmo Chico de Oliveira comenta que Lula esvaziou a política: “Lula converteu-se num mito, e o mito é antipolítico por excelência. Ele se coloca acima das classes, dos conflitos. Com o mito você não faz política. E Lula converteu-se num mito”.
  
Na política, assim como Vargas, Lula incorporou o papel do grande conciliador de classes. Na análise do sociólogo Werneck Vianna, Lula evoca o “Estado Novo” do período getulista. “Qual foi a operação que o Estado Novo getuliano fez? Exatamente esta: tudo o que era vivo na sociedade ele trouxe para si. Tal como agora. Trouxe para si e, de cima, formula políticas para a sociedade”.
 
Segundo o sociólogo, Lula repete o Estado Novo: “É uma metáfora, mas mais que uma metáfora, um governo que absorve as representações corporativas de trabalhadores e empresários, com um chefe de Executivo carismático a mediar interesses conflitantes, fortalecido pela crescente centralização do Estado”. A aguda interpretação de Luiz Werneck Vianna é a de que o governo Lula engoliu a todos. O movimento social grita, reage, mas no limite não rompe com o governo; a direita esperneia, protesta, mas rende-se ao governo de coalizão; o capital produtivo e financeiro reclama, mas está contente com Lula. No máximo o presidente, deixa “que os dissídios internos amadureçam e no final arbitra e decide”.

O próprio presidente assume que desempenha a função de “conciliador de classes”: “Tenho a graça de Deus de transitar bem de uma reunião com banqueiros para uma de catadores de lixo”, disse Lula, em entrevista ao jornal argentino Clarín. Ao mesmo tempo Lula com sua política pragmática não se constrange com a reprodução dos métodos da ‘República Velha’: acertos, conchavos e composições esdrúxulas. Nisso também se assemelha a Vargas. O próprio, Lula afirma-se como o condutor do tertius da luta de classes ao dizer que “quando fui candidato a presidente pela primeira vez, os empresários tinham medo de mim como o diabo tem medo da cruz. Uma parte das pessoas pobres deste país também tinha medo de mim. Hoje tenho certeza de que os empresários não têm mais medo do Lula”.

(Ecodebate, 30/12/2008) publicado pelo IHU On-line, 28/12/2008 [IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos - IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]

Fonte: http://www.ecodebate.com.br/

WWF estima que níveis de crescimento chinês precisariam de 1,2 planetas Terra


Mundo que usasse recursos e gerasse resíduos como a China deveria ser maior para se manter

Um mundo que usasse recursos e gerasse resíduos aos níveis da China necessitaria de um planeta 1,2 vezes maior que a Terra para se manter, segundo relatório sobre o “rastro do carbono” do país apresentado nesta segunda-feira, 15, pela ONG WWF (Fundo Mundial para a Natureza, na sigla em inglês).

De acordo com o documento, apresentado pelo diretor-geral da WWF, James Leape, é “crucial” que a China enfrente problemas como as emissões de dióxido de carbono e o acelerado desenvolvimento urbano “para melhorar seu bem-estar sem que isso custe ao planeta”. Reportagem da Agência EFE.

O relatório assinala que setores como a construção e o transporte, associados ao avanço do nível de vida na China, contribuíram em grande medida para que as emissões de CO2 no país atingissem o patamar de 54% do impacto ecológico nacional.

Em consequência, a China necessitaria do dobro de seu solo produtivo para satisfazer a demanda de recursos naturais e absorver suas emissões. A renda per capita no país se multiplicou por 50 nas últimas três décadas, algo que foi acompanhado pela rápida industrialização, pelo desenvolvimento urbano e pela intensificação da agricultura, que “aumentaram a pressão sobre a natureza”, segundo o relatório da WWF.

O documento também contou com a colaboração do Conselho Chinês para a Cooperação Internacional em Meio Ambiente e Desenvolvimento, cujo secretário-geral, Zhu Guangyao, ressaltou em sua apresentação que “os próximos 20 anos serão vitais para que o país alcance um desenvolvimento sustentável”.

A China é o maior emissor mundial de dióxido de carbono, embora defenda nas negociações para a luta contra a mudança climática que são as nações desenvolvidas, por sua responsabilidade histórica no aquecimento global, que devem ser obrigadas a reduzir as emissões em até 40% por meio de um pacto internacional.

No entanto, o governo comunista prometeu diminuir sua intensidade de carbono (emissões totais divididas pelo PIB) entre 40% e 45% em 2020, em relação aos níveis de 2005, algo interpretado pela comunidade internacional como um passo importante, embora talvez não suficiente para tornar sustentável o desenvolvimento chinês.

Reportagem da Agência EFE, no Estadão.com.br.
Fonte: EcoDebate, 16/11/2010

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Os perigos de pisar no acelerador

Por Frank Mulder, da IPS

Utrecht, Holanda, 23/11/2010 – Muito do crescimento chinês não é produtivo e traz consigo “uma enorme especulação que amplia a brecha entre ricos e pobres”, disse o economista liberal Wang Jianmao, da Escola Internacional de Negócios China-Europa, com sede em Xangai. Números cor-de-rosa fazem com que o país seja tentado a adiar uma reforma muito necessária, afirmou. Além disso, o governo chinês está “muito centrado na velocidade. Porém, assim como um barco precisa reduzir a velocidade para reparar seus motores, nossa economia precisa diminuir a velocidade se quiser abordar problemas estruturais que colocam em risco o crescimento futuro”, acrescentou Wang.

Há diferentes motores econômicos, como exportações, investimentos e consumo. “Entretanto, o motor vital do consumo não funciona na China. Se atrasarmos os reparos, os outros dois vão parar ao mesmo tempo. Não existe um único país que possa sustentar seu crescimento quando sua economia continua crescendo com dois dígitos”, ressaltou o especialista. Entre 2004 e 2007, o produto interno bruto da China aumentou mais de 10% ao ano, chegando em 2007 a 14,2%. Esse índice baixou para 9,6% e 9,1% em 2008 e 2009, respectivamente, mas Pequim espera voltar a registros superiores a 10% o mais rápido possível.

“Isso seria muito perigoso. Esse é o tipo de crescimento que se pede emprestado ao futuro. Para favorecer nosso potencial, necessitamos reformas institucionais que deveríamos ter feito há tempos”, disse Wang. Em um contexto de êxito, é fácil adiar medidas dolorosas. Este ano, 54 empresas chineses ganharam um lugar na lista das 500 maiores companhias, elaborada pela revista norte-americana Fortune, e três firmas chinesas estão entre as dez primeiras.

“Isso não significa que sejam produtivas. Têm acesso a quantias ilimitadas de dinheiro barato. Pagam juros inferiores à inflação. Continuam investindo até exceder seriamente sua capacidade, o que tem efeito negativo tanto sobre os benefícios como sobre os preços. Em outras palavras, desperdiçam dinheiro da população”, disse Wang. Obter grandes ganhos sem proporcionar valor agregado nem criação de empregos é uma estratégia ruim para um país que precisa com urgência que os consumidores gastem mais, ressaltou.

“Em lugar de apoiar as indústrias intensivas em matéria de capital, precisamos de pequenas e médias empresas, para criar postos de trabalho intensivos em matéria de mão-de-obra. Temos o maior mercado mundial de carros de luxo, e, ao mesmo tempo, temos pessoas em demasia ganhando apenas o salário mínimo”, disse Wang.

Segundo estatísticas oficiais, o desemprego é de apenas 4%. “Não creiam nisso. Contam apenas o desemprego formal e registrado nas cidades. Os contratos de curto prazo nas áreas rurais são contados como pleno emprego. O desemprego é elevado, mas as empresas não podem encontrar quantidade suficiente de pessoas porque há uma grande disparidade entre a oferta e a demanda”, disse Wang.

Jan van der Putten, assessor holandês de empresas que querem investir na China, reconhece os problemas, mas considera que é fácil culpar o governo. “Eles sabem muito bem que o consumo precisa crescer. Mas isso é muito difícil de implementar. O chinês médio gasta 30% de sua renda em alimentos. Isso é muito, e é resultado do modelo de desenvolvimento que se escolheu, centrado no exterior em lugar do interior”, ressaltou.

Felizmente, os preparativos para o novo plano quinquenal (2011-2015) exigem um foco em reformas estruturais, disse o Banco Mundial em sua Atualização Trimestral da China, divulgada há duas semanas. “Mudar o modelo de crescimento é, com toda razão, um objetivo primordial. O reequilíbrio não ocorrerá por si só: exigirá um significativo ajuste de políticas”, destacou. Contudo, segundo Jan, é muito difícil mudar os padrões na China. “Há tantas leis e regelações que os lideres locais se sentem livres para escolher quais querem implementar”, disse.

O maior obstáculo à muito necessária transição é a enorme especulação, disse Wang, que já trabalhou como especialista em assuntos chineses no Fórum Econômico Mundial. “Viver na cidade ficou proibitivo para muitas pessoas. Os preços continuam aumentando, o que leva a uma brecha sem precedentes entre ricos e pobres. Além disso, diminui a urbanização, que é absolutamente necessária para elevar o consumo. Nem mesmo se grava a mais-valia. E dizemos que somos um país socialista”, disse Wang.

O especialista disse que, às vezes, sente-se um pouco sozinho em sua luta para criar um imposto de mais-valia. E tem mais reformas na lista de desejos de Wang. Uma das mais importantes é livrar-se da política do filho único, que considera “absurda”. As “pessoas nunca gastam mais e agora menos do que quando não podem ter mais filhos para cuidarem delas quando ficarem velhas. O governo poderia permitir que cada casal tivesse dois filhos, ou mesmo três, se tanto marido como mulher fossem filhos únicos. Isso é necessário, além do mais, se quisermos estar prontos para quando a força de trabalho chinesa diminuir”, afirmou.

Segundo Jan, o governo está muito consciente disso. “Já permitiu ter um segundo filho se os pais forem filhos únicos. Há um debate aberto sobre esta política. Em uma região acabam de iniciar um experimento pelo qual é permitido que as pessoas tenham um segundo filho se um dos cônjuges é filho único”, explicou.

Desde 2009, a China é líder mundial no investimento em energias limpas. É o segundo país com maior capacidade instalada (52,5 gigawatts) derivada das energias renováveis, informou este ano o Pew Environment Group. Seus objetivos estão entre os mais ambiciosos do mundo. “No entanto, o gargalo para a sustentabilidade é a inovação. Gastamos em inovação menos do que em outros países, e o fazemos de maneira pouco efetiva, mediante empresas estatais”, afirmou Wang.

Ele acredita que os chineses conhecem bem a importância de não copiar o exemplo dos Estados Unidos. “O Japão é nosso ponto de referência: conseguiu tornar-se muito eficiente em matéria energética. Nossos hábitos também são muito diferentes dos costumes dos norte-americanos. Nós nunca comeremos tanta carne como eles, para mencionar um exemplo”, destacou.

Wang teme a corrida pelos recursos que Pequim realiza nos países em desenvolvimento. “A China tem que se dar conta de que a extração barata de recursos não é o mais inteligente que pode fazer. Devemos compreender que, se ajudarmos os países a se industrializarem, eles poderão comprar nossos produtos”, acrescentou. Envolverde/IPS


(IPS/Envolverde)
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